sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Retomar

Como um eterno retorno, reinicio. Retomo, reinvento. Perdidos percalços. Sinuosos caminhos. Levam ao nada. De onde tudo recomeça. Sem direção, sem intenção, sem vontade. Sem permanência, inquieta resistência, esgueira-se, distorce e contorce, remoendo, regurgitando, ruminando. Sem pena, sem conforto, sem motivo.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

No meio da noite

O pensamento que assusta, nos tira do sono. Acorda ou será que nos coloca em verdadeiro torpor? Uma visão aterrorizante da realidade. Como se nos virássemos de cabeça para baixo e, somente assim, pudéssemos enxergar. De fato. Ou lembrar. Algo esquecido há muito. E sempre volta, insinuando-se disfarçadamente, para então surgir imperioso. Forçando-nos a encará-lo. E aí, falta-nos o ar. Angústia. Fantasmas diáfanos. Ou reais demais. Encarando-nos de dentro de nossas próprias retinas. Esmiuçando-se por entre caminhos conhecidos. Mas esquecidos. Deixados. Dolorosa visão.

sábado, 23 de julho de 2011

Era de se esperar.

Amy Winehouse morreu. Era de se esperar, disseram muitos. A única coisa que se é de esperar é que todos nós vamos morrer. Mas foi Amy Winehouse quem morreu. Para delírio dos que contavam os dias para que ela morresse. Dos que previam sua morte anunciada. E se esquecem que já estão mortos. Podres por dentro. Decompondo-se em vida. Putrefatos. E agora sobrevivem em torno dos corpos dos que já morreram. Feito urubus em volta da carniça. Feito vermes disputando o primeiro naco de carne. Alimentam-se da podridão. Dela se nutrem. Pois agora a carne está servida: refestelem-se!

domingo, 1 de maio de 2011

Retomada

Retomar o que ainda não foi dito. Rasgar o peito congestionado. Fechado por coisas engolidas, sorvidas, tragadas. E o escarro acumulado, se tornando tecido, parte do que é. Enclausurando o ar, sem troca, trancafiado. A dor se torna valia de algo? A fina percepção da escassez do respirar. Em troca do quê? Da sutil experiência da fragilidade de simplesmente estar. Ou não mais estar. A vida se encaminha para fora, se expande. E quando trancamos o caminho? Invertemos o fluxo. Quando é hora de recolher? Talvez rever no viez das entrepausas, pequenos entre os momentos, quase ínfimos, quase íntimos. Tão menores que quase não os vemos. Somente se fecharmos os sentidos, talvez os sintamos. Fina percepção. Dolorida constatação. Do pesar do que se finaliza. Morrer talvez seja necessário. Morrer um pouco a cada instante. E renascer naquele mesmo momento em que se esvai. Caminhos inconstantes. O que se leva? O pouco que se consegue perceber? E depois esquecemos. E  novamente por um breve lampejo recordamos. Nem sempre reconhecemos, nem sempre estamos turvos. Algo sempre resta. E sempre falta. Mas o nível do olhar é outro. Somos outro. Não mais do mesmo, mesmo sendo igual. Semelhante na diferença. E continuamos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Filhos de quem mesmo?

Filhos do Bom Deus que nos criou? Mas nós (com acento mais do que agudo) criamos o bem? Nós fazemos o bem? Somos nós que calamos aquele que discorda de nós. O que fala diferente, o que pensa diferente, o que age diferente, o que ama diferente. Nós calamos. Nós violentamos. Nós matamos o diferente.  Nós matamos o igual. Nós nos matamos. O que resta? Quem dera fosse essa a solução. Se fôssemos eficientes teriamos dado cabo de nós mesmos. Mas nos arrastamos pela nossa incompetência, pela vergonha ou pela falta dela. Nos falta vergonha na cara. Temos vergonha? Temos cara? Nós mostramos a nossa cara? Somos filhos da hipocrisia, nos escondemos de nossa própria vergonha. Da nossa própria falta de cara. Onde estão estes pais que criam filhos que destroem outros filhos criados por outros pais? Por que estes pais se escondem? Por que estes pais escondem seus filhos? De qual vergonha se escondem? Se entreguem. Se mostrem. De qual covardia querem se esvair? Daquela de terem gerado e criado o seu próprio mal?

domingo, 24 de outubro de 2010

Somos todos filhos de Deus

Somos filhos de quem? De Deus? Mas qual Deus? O que criamos à nossa imagem e semelhança? Nossa imensa pretensão não cabe talvez em nossa diminuta percepção.  Não nos permitimos ver que nunca fomos criados, nem inventados e muito menos descobertos. Somos filhos, sim, do que era, do que nos antecedeu.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Nossa morte de cada noite

Quando dormimos morremos um pouco a cada noite. É de qualquer maneira um salto no escuro, olhos vedados, corpo caído no espaço. Um pouco perdido, um pouco em pedaços, escassos talvez. A hora em que juntamos os pormenores, nos tornamos pequenos, concentramos. Se tentamos olhar para trás, não dormimos. Só morrem os que cedem à queda. À noite a vista é turva, turvam-se os olhares, sobressaem as sombras. Nas entrelinhas vislumbra-se o insinuado, oferecendo-se numa não entrega. Sem sofreguidão. Sem vontades. No sono mergulha-se a seco. Doído, rasgado. Sabe-se, discretamente, que dele pode-se não voltar. Ficar no caminho. Tragado. Ou então, como milagre pouco provável, nos reafirmamos e nos confirmamos a cada manhã. Sinuosamente nos escorregamos da penumbra para o brilho mais tímido que fere nossos olhos. E acordamos. E nos esquecemos, displicentemente, de nossa singela agonia na noite anterior.